Educação: conservação e transformação

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Conservação e Transformação

“O modo de ser do ser humano é o querer ser” Julian Marias

A educação pode ser definida como um sistema dual, que busca a construção permanente do equilíbrio entre a conservação e a transformação das ideias, conceitos, práticas e vivências humanas, e cuja finalidade se encontra no fazer consciente, nas ações, que são estas orientadas pela somatória de concepções diversas tanto de educandos quanto de educadores.

Educação possui em sua raiz dois conceitos que são fundamentais nesse pensamento: Ducere, que significa conduzir, e está ligado à conservação, manutenção das boas práticas éticas, bom convívio, conservação do respeito mútuo e à tradição vigente. O outro conceito é o Educere, que gerou no português o equivalente à Edução, ato de eduzir, que significa extrair e está fortemente ligado à transformação, descoberta, busca pela novidade, inovação, e os dois conceitos tem como finalidade o fazer fascinante, a ação propulsora da conservação e da transformação, sendo essa a finalidade da educação, a ação.

A ação consciente é o objetivo fim da educação, a ação com a palavra, a palavra com um significado. Em “A condição humana”, Hanna Arendt[2] busca mostrar que o homem se difere dos demais seres vivos não pelo trabalho, no sentido de produção ou construção, e nem pelo labor, que é o fazer, visando a preservação da vida no sentido biológico, em que ambas as coisas também são realizadas pelos demais seres vivos, mas a ação é o que dá sentido à vida, um sentido político, que gera a memória, uma história e seu registro, a palavra e seu significado, pode-se dizer que a ação é a marca do ser humano, na conservação e transmissão de suas tradições.

Em “Teoria do Agir Comunicativo”, Jürgen Habermas[3] afirma que a ação estratégica que predomina, na comunicação, tem como objetivo o êxito, o sucesso e a eficácia, porém tal ação comunicativa deveria ter como fim o entendimento, o consenso, na convergência dos diversos pensamentos através da palavra, e do significado, servindo como mediação do conhecimento entre os seus interlocutores.

A ação como objetivo fim da educação traz consigo ainda os conceitos de reação e coação. Cientificamente reação pode ser interpretada como elemento simétrico à ação, porém não se pode utilizar criteriosamente o mesmo conceito no cotidiano, pois a reação humana não tolera tal simetria, como na lei de Talião  [olho por olho, dente por dente] [4], necessitando de um comportamento assimétrico para desenvolver a ética [Busca estabelecer o que é certo e errado independente de costumes ou tradições, baseando-se na reflexão sobre o comportamento humano e o bom convívio em sociedade] nas relações. Mas a simples assimetria não satisfaz o ser humano por necessitar agir de forma que a reação cause um impacto de resposta à ação tomada contra ele, resposta esta que precisa ser acompanhada de responsabilidade, para reestabelecer a confiança na palavra e no combate à violência. Assim a Educação tem como meta a ação de combate a violência através do reestabelecimento da confiança na palavra, no consenso habermasiano.

Mas a palavra pode trazer consigo o aspecto da violência, que também pode ser manifestada através do relativismo da liberdade, onde tal liberdade é coagida dentro de limites impostos pela palavra, por uma ação de violência verbal, como acontece na comunicação, onde um sujeito é impulsionado a se posicionar dentro de limites ou opções preconcebidas, formatando opiniões, gostos, preferências e estilos, influenciando novas tradições, culturas e até mesmo a moral [Conceito que estabelece o que é certo e errado dentro de uma tradição, lei, costume ou prática relativa a uma sociedade].

Segundo Jean Piaget[5], o processo de desenvolvimento moral ocorre em três fases: a anomia, onde nomos significa lei, ou seja, em um primeiro momento não conhecemos as leis, o que pode e o que não pode dentro de cada contexto; a heteronomia, onde a lei é feita por outros, onde aprendemos a fazer o que é dito que é certo e a não fazer o que é dito ser errado; por fim chega-se a autonomia, aonde a questão importante é a apreensão da lei pelo nosso consentimento, ou como diz o Professor Nilson José Machado: “Obedecer a lei que a gente faz nossa”, através de análise e reflexão consciente do assunto.

Essa autonomia pode gerar um descontentamento com as leis externas à nós, que pode levar à desobediência civil   [características: a não violência, ir à luta e assumir a responsabilidade por não cumprir as leis e a ordem vigente], ou a coação, que geralmente é violenta e pode ser ligada à coerção, que está relacionada à força, que de um modo geral é tarefa do governo. E à esse, o poder e a autoridade, tem que ser consentido e legítimo para que a responsabilidade gerada pelo fazer consciente leve-nos aos projetos relacionados à nossa vida, carreira, sociedade, etc.

A ação transformadora da edução, necessita da autonomia com responsabilidade, para mudar uma cultura ou prática estabelecida sem ferir valores tradicionais que vão se posicionar muitas vezes restringindo e limitando, no aspecto comunicativo, as ações inovadoras e a busca pela descoberta.

A educação é, assim, uma eterna busca pelo equilíbrio entre a conservação e a transformação, entre a tradição e a inovação, dentro dos mais diversos aspectos sociais sua importância é notória mas nem sempre é celebrada. A dualidade da educação é presente em suas ações conscientes, sua celebração por educandos e educadores, que acabam se fundindo dentro do processo de apreensão, transformação e comunicação, moldando um novo equilíbrio e consenso nos conceitos tradicionais e questionando de forma investigativa e curiosa todos os aspectos ao nosso redor, sejam culturais, científicos, políticos e dogmáticos.

Referências

[1] Machado, Nilson J. Curso: Tópicos de Epistemologia e Didática-Introdução. UNIVESP/VEDUCA – notas de aula

[2] Arendt, Hanna A condição Humana. Tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso Lafer. – 10ªed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007

[3] Habermas, J Teoria do Agir Comunicativo – Racionalidade da Ação e Racionalização Social. WMF Martins Fontes, Ed.1 2012

[4] Duarte, Melina A lei do Talião e o princípio de igualdade entre crime e punição na Filosofia do Direito de Hegel. Revista Eletrônica Estudos Hegelianos. Ano 6, nº10, Junho-2009: 75-85

[5] Araguaia,Mariana Piaget e o desenvolvimento moral na criança. Site Brasil Escola http://www.brasilescola.com/biografia/piaget-desenvolvimento-moral-na-crianca.htm <Acesso em 22/11/2014>

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